O assunto que aqui se pretende tratar é muito grave; fez e faz tremer
os pilares da Igreja, encheu de terror os maiores Santos e povoou os desertos
com eremitas. O ponto desta instrução está em analisar se o número de Cristãos
que se salvam é maior ou menor do que o número de Cristãos que se condenam ao
inferno; e produzirá em vós, segundo espero, um salutar temor dos juízos de
Deus.
Da existência do inferno:
Se vamos tratar desse assunto, devemos desde já deixar claro uma
coisa: O inferno existe.
A essa certeza nos garante a fé da Igreja,[1] e é amplamente atestada
pelos Santos ao longo dos milênios de história da Igreja sendo inclusive
descrito em detalhes por aqueles a quem Deus deu a graça de tão profundo
conhecimento, de modo que sabemos, creiamos ou não o inferno existe e é o
destino daqueles que escolheram abandonar a comunhão com Deus, escolhendo a
autodestruição e a morte eterna[2]
A existência do inferno, é, portanto, um dogma da fé
católica, ou seja, um ensinamento inquestionável pois revelado por Deus e
atestado por sua Igreja e válido para sempre, pois Deus é imutável.[3]
Desse modo, tal qual se crer na existência de Deus e do Céu, deve-se igualmente
crer na existência do inferno, destino daqueles que morrem em estado de pecado
mortal[4].
Diversos Santos e Santas por graça de Deus tiveram a
experiência de testemunhar com os sentidos o próprio inferno, podemos citar
aqui Dom Bosco, Santa Tereza D’Ávila e Santa Faustina, sendo que todos
descreveram com detalhes os tormentos pelos quais passa a alma que escolheu ir
para o fogo eterno reservado paro o diabo e seus seguidores[5]
De fato, não bastasse o já exposto acima, temos o dever de
lembrar que a própria Virgem Maria em Fátima teve por bem revelar, mesmo a
crianças, não só a existência do inferno, como também a gravidade e o quanto é
horripilante tal desgraça eterna, nos chamando à conversão.[6]
Portanto, de fato o inferno existe, e a porta que leva a ele
é larga, nos esforcemos por entrar pela porta estreita[7],
fugindo do pecado e amando a Deus de todo o coração de toda a nossa alma e de
todo o nosso entendimento e ao próximo como a nós mesmos.[8]
A necessidade de falar abertamente:
Meus Irmãos, pelo Amor que eu tenho por vós, bem gostaria de poder
sossegar-vos com a perspectiva da felicidade eterna, dizendo a cada um de vós: tenha
certeza que você irá para o Paraíso; a maior parte dos Cristãos se salva e, por
isso, você também se salvará.
Mas como posso eu dar-vos tão doce segurança, se vós vos revoltais
contra os decretos de Deus, como se vós fôsseis os vossos piores inimigos? Eu
observo em Deus um desejo sincero de vos salvar, mas encontro em vós uma
decidida inclinação de serem condenados. Então, o que farei eu hoje se falar
claramente? Vou ser desagradável. Mas, se eu não falar, serei desagradável a
Deus.
De fato, os cristãos de nossos tempos parecem fechados à verdade
de Deus e sua justiça, numa completa embriaguez da “misericórdia”, onde não reconhecemos nossa miséria, mas ao
contrário preferimos nos iludir e creditar apenas na misericórdia de Deus nossa
salvação, contudo, Deus quis contar conosco para nos salvar, e nos chama a
trabalha com tremor e com temor por nossa salvação.[9]
Da importância do tema:
Não é curiosidade vã, mas sim uma precaução salutar proclamar
certas verdades que servem à maravilha para conter a indolência dos libertinos,
que tanto falam da misericórdia de Deus e de como é fácil converter-se, que
vivem mergulhados em toda a sorte de pecados e dormem profundamente no seu
caminho para o Inferno.
Para os desiludir, e para os acordar, examinemos hoje esta grande
questão: O número de Cristãos que se
salvam será maior do que o número de Cristãos que se condenam? Ó almas
piedosas, vós podeis sair; este sermão não é para vós. O seu único propósito é
conter o orgulho dos libertinos, que lançam fora do seu coração o santo temor
de Deus e juntam forças com o demônio que, segundo o sentir de Eusébio[10], condena as almas ao
mesmo tempo em que as acalenta.
Para resolver esta dúvida, ponhamos os santos Padres da Igreja,
tanto Gregos como Latinos, de um lado; do outro, os teólogos mais ilustrados e
os historiadores mais eruditos; e ponhamos a Bíblia ao meio, para que todos a
vejam.
Falam os Teólogos mais reconhecidos
Notem bem que aqui não é questão da raça humana tomada como um
todo, nem de todos os Católicos tomados sem distinção, mas apenas dos Católicos
adultos, que têm livre escolha e, consequentemente, são capazes de cooperar na
grande matéria da sua salvação.
Primeiro, consultemos os teólogos reconhecidos por examinarem as
coisas mais cuidadosamente e por não exagerarem nos seus ensinamentos: ouçamos
dois Cardeais eruditos, Caetano[11] e (S. Roberto) Belarmino[12]:
Ensinam eles que o maior número de Cristãos adultos se condena.
Segundo Suarez (o grande teólogo)[13]. Depois de consultar
todos os teólogos e de fazer um diligente estudo, cheio de Amor e compaixão,
mostra-nos o caminho para o Céu, mas muitas almas estão embaraçadas pelas
maldades e armadilhas do demônio e seguem o seu caminho enganador, descendo até
às profundas do Inferno. Estudando sobre o assunto, escreveu ele: “O sentimento mais comum que é mantido é o
de que, entre os Cristãos, há mais almas condenadas do que almas salvas. ”
Os Padres Gregos e Latinos ensinam-nos
Acrescente-se a autoridade dos Padres Gregos e Latinos à dos
teólogos, e descobrireis que quase todos eles dizem a mesma coisa. É este o
sentimento de S. Teodoro[14], S. Basílio[15], Santo Efrém[16] e S. João Crisóstomo[17]. E, o que é mais, segundo
Barónio[18], era opinião comum entre
os Padres Gregos que esta verdade tinha sido expressamente revelada a S. Simão
Estilita[19]
e que ele, depois de tal revelação, decidiu, para assegurar a sua salvação,
viver de pé no cimo de um pilar durante quarenta anos, exposto às intempéries,
como modelo de penitência e santidade para todos.
Consultemos agora os Padres Latinos. Ouviríeis então S. Gregório a
dizer claramente: “Muitos atingem a fé,
mas poucos o Reino dos Céus.” Santo Anselmo[20] declara: “São poucos os que se salvam.” E Santo
Agostinho[21]
afirma, ainda com maior clareza: “Por
conseguinte, poucos são aqueles que se salvam, em comparação com aqueles que se
condenam. ” O mais aterrorizador é, contudo, S. Jerônimo[22]. No fim da vida, na
presença dos seus discípulos, ele pronunciou estas palavras terríveis: “De cem mil pessoas cujas vidas foram sempre
más, dificilmente se encontrará uma que seja merecedora de salvação.”
Em tempos mais próximos, devemos lembrar visão do inferno de Santa
Faustina, como ela nos narra em seu diário:
“...vi
duas estradas: Uma estrada larga, atapetada de areia e flores, cheia de alegria
e de música e de vários prazeres. As pessoas caminhavam por essa estrada
dançando e divertindo-se − estavam chegando ao fim, sem se aperceberem disso.
E, no final dessa estrada, havia um enorme precipício, ou seja, o abismo do
Inferno. Essas almas caíam às cegas na voragem desse abismo; à medida que iam
chegando, assim tombavam. E seu número era tão grande que não era possível
contá-las. E avistei uma outra estrada, ou antes uma vereda, porque era
estreita e cheia de espinhos e de pedras, por onde as pessoas seguiam com
lágrimas nos olhos e sofrendo dores diversas. Uns tropeçavam e caíam por cima
dessas pedras, mas logo se levantavam e iam adiante. E no final da estrada
havia um magnífico jardim, repleto de todos os tipos de felicidade e aí
entravam todas essas almas. Já no primeiro momento, esqueciam de seus
sofrimentos” (Diário, 153).[23]
É o que diz o Senhor: Esforçai-vos por entrar pela
porta estreita; porque muitos procurarão entrar e não serão capazes. ” [24]
As palavras da Sagrada Escritura
Mas por que procurar as opiniões dos Padres e teólogos, quando a
Sagrada Escritura resolve esta questão tão claramente? Olhai para o Antigo e
para o Novo Testamentos, e encontrareis uma multidão de figuras, símbolos e
palavras que salientam claramente esta verdade: muito poucos se salvam.
No tempo de Noé, toda a raça humana foi submersa pelo Dilúvio, e
só oito pessoas se salvaram na Arca[25]. S. Pedro afirma: “Esta
arca era a figura da Igreja, ” enquanto Santo Agostinho acrescenta: “E estas
oito pessoas que se salvaram significam que muito poucos Cristãos se salvam,
porque há muito poucos que renunciam sinceramente ao mundo, e aqueles que a ele
renunciam só em palavras não pertencem ao mistério representado por aquela
arca.”
A Bíblia diz também que só dois dos dois milhões de Hebreus
entraram na Terra Prometida após terem saído do Egito[26], e que só quatro
escaparam ao fogo de Sodoma e das outras cidades queimadas que com ela
pereceram[27].
Tudo isto significa que o número dos condenados que serão lançados
ao fogo como palha é muitíssimo maior do que o dos que são salvos, os quais o
Pai do Céu há de um dia reunir no Seu celeiro como trigo precioso.
As palavras de Jesus
Eu nunca mais acabaria se tivesse de vos indicar todas as figuras
pelas quais a Sagrada Escritura confirma esta verdade; contentemo-nos em ouvir
o oráculo vivo da Sabedoria Encarnada. O que respondeu Nosso Senhor àquele
homem curioso do Evangelho que Lhe perguntou: “Senhor, só uns poucos se salvarão?
” Acaso se calou? Ou respondeu hesitantemente? Acaso ocultou Ele o Seu
pensamento por medo de assustar a multidão? Não. Questionado só por um, Ele
dirigiu-se a todos os presentes. E disse-lhes: “Perguntais-Me se só alguns
serão salvos? ” Aqui está a minha resposta: “Em verdade, em verdade vos digo:
Esforçai-vos por entrar pela porta estreita; porque muitos procurarão entrar e
não serão capazes.” [28]
Quem está aqui a falar? É o Filho de Deus, Verdade Eterna, que em
outra ocasião diz ainda mais claramente: “Muitos são os chamados, mas poucos
são os escolhidos. ”[29] Ele não diz que todos são
chamados e que, de entre todos os homens, poucos são os escolhidos, mas sim que
muitos são chamados; o que significa, segundo explica S. Gregório, que de entre
todos os homens, muitos são chamados para a Verdadeira Fé, mas que, de entre
eles, poucos se salvam. Meus Irmãos, são estas as palavras de Nosso Senhor
Jesus Cristo. São palavras claras, são a Verdade. Dizei-me agora se vos é
possível ter fé no vosso coração e não tremer.
A Salvação nos diversos estados de vida
Haverá no mundo algum estado de vida mais favorável à inocência,
no qual a salvação pareça mais fácil e do qual as pessoas tenham uma ideia mais
elevada, do que o dos sacerdotes, os lugares-tenente de Deus? À primeira vista,
quem não pensaria que a maior parte deles é, não apenas boa, senão mesmo
perfeita? Mas eu fico horrorizado quando ouço S. Jerônimo[30] declarar que, embora o
mundo esteja cheio de padres, dificilmente um em cem vive de um modo que esteja
em conformidade com o seu estado de vida (vocação); quando ouço um servo de
Deus testemunhando que soube, por uma revelação, que o número de padres que, em
cada dia, cai no inferno é tão grande que se lhe afigura impossível que tenham
ficado alguns na terra; quando ouço S. João Crisóstomo[31] exclamar de lágrimas nos
olhos: “Eu não acredito que muitos sacerdotes se salvem; pelo contrário,
acredito que o número daqueles que se condenam é maior.”
Olhai ainda mais para cima, e vede os prelados da Santa Igreja,
pastores que têm as almas a seu cargo. Entre estes, será acaso o número dos que
se salvam maior do que o número dos que se condenam? Ouvi então Cantimpré[32]; ele contar-vos-á um
certo acontecimento, e vós podeis tirar as conclusões:
Havia um sínodo que se realizava em Paris, e a ele assistia um
grande número de prelados e pastores de almas; o Rei e os príncipes vieram
também, acrescentando lustro àquela assembleia com a sua presença. Um pregador
famoso fora convidado para pregar. E, enquanto ele estava a preparar o seu
sermão, um demônio horrível apareceu-lhe e disse: “Põe de parte os teus livros.
Se queres fazer um sermão que seja útil a estes príncipes e prelados,
contenta-te em dizer-lhes, da nossa parte: ‘Nós, os príncipes das trevas, vos
agradecemos a vós, príncipes, prelados, e pastores de almas, porque, devido à
vossa negligência, o maior número dos fiéis se condenará; temos também guardada
uma recompensa para vós, por este favor, quando estiverdes conosco no Inferno.
Ai de vós que mandais noutros! Se se perdem tantos por vossa
culpa, o que vos acontecerá? Se poucos dos que estão em lugares preeminentes na
Igreja de Deus se salvam, o que vos acontecerá? Vede todos os estados, ambos os
sexos, todas as condições: maridos, esposas, viúvos, raparigas, rapazes,
soldados, comerciantes, artífices, ricos e pobres, nobres e plebeus.
Que havemos de dizer de todas estas pessoas que vivem tão mal? A
seguinte narrativa de S. Vicente Ferrer[33] mostrar-vos-á o que
podereis pensar sobre isto. Conta ele que um arcediago em Lyon deixou o seu
cargo e retirou-se para um lugar deserto para fazer penitência, e morreu no
mesmo dia e hora de S. Bernardo[34].
Depois da sua morte, ele apareceu ao seu Bispo e disse-lhe:
“Sabei, Monsenhor, que à mesma hora em que eu morri, morreram também trinta e
três mil pessoas. Deste número, Bernardo e eu subimos ao Céu sem demora, três
foram para o Purgatório, e todas as outras caíram no Inferno.”
As nossas crônicas relatam um acontecimento ainda mais terrível.
Um dos nossos irmãos, bem conhecido pela sua doutrina e santidade, estava a
pregar na Alemanha. Representava ele a fealdade do pecado da impureza de um
modo tão forte que uma mulher caiu ali morta de tristeza, diante de toda a
gente.
Depois, tendo voltado à vida, disse ela: “Quando eu fui
apresentada diante do Tribunal de Deus, sessenta mil pessoas chegaram ao mesmo
tempo, vindas de todas as partes do mundo; daquele número, três foram salvas,
passando pelo Purgatório, e todas as restantes se condenaram.”
Dos caminhos que levam ao Céu:
Não é verdade que há dois caminhos que levam ao Céu: a inocência e
o arrependimento? Ora, se eu vos mostrar que há muito poucos que tomam um ou
outro destes dois caminhos, concluireis, como pessoas racionais, que muito
poucos se salvam.
E para mencionar provas: em qual idade, emprego ou condição não
achareis que o número dos perversos é cem vezes maior do que o dos bons, e de
cada um se poderia dizer: “Os bons são tão raros e os maus são tão numerosos”?
Podemos dizer dos nossos tempos o que Salviano[35] disse do tempo dele: é
mais fácil de achar uma multidão inumerável de pecadores imersos em toda a
sorte de iniquidades do que uns poucos de homens inocentes.
Quantos servidores são totalmente honestos e fiéis nos seus
deveres? Quantos comerciantes são justos e equitativos no seu comércio; quantos
artífices são exatos e verdadeiros; quantos vendedores são desinteressados e
sinceros? Quantos homens das leis não esquecem a equidade? Quantos soldados não
calcam aos pés a inocência; quantos senhores não retêm injustamente o salário
daqueles que os servem, ou não procuram dominar os seus subordinados?
Por toda a parte, os bons são raros e os maus numerosos. Quem não
sabe que hoje há tanta libertinagem entre os homens maduros, licenciosidade
entre as moças jovens, vaidade entre as mulheres, voluptuosidade na nobreza,
corrupção na classe média, dissolução no povo, descaramento entre os pobres, de
tal maneira que se poderia dizer o mesmo que David disse dos tempos dele:
“Todos, por igual, se afastaram do bem… não há nem um que pratique o bem, nem
sequer um só.”[36]
Ide às ruas e às praças, ao palácio e à casa, à cidade e ao campo, ao tribunal
e às casas das leis, e até mesmo ao templo de Deus. Onde encontrareis a
virtude? “Ai de nós!” clama Salviano, “exceto um número muito pequeno que foge
do mal, o que é a assembleia de Cristãos senão um poço de vício?” Tudo o que
podemos encontrar por toda a parte é egoísmo, ambição, gula e luxúria.
Não está a maior parte dos homens tomada pelo vício da impureza, e
não tinha S. João toda a razão ao dizer: “O mundo inteiro está assente na
maldade?”[37]
E não sou eu quem vos diz isto; a razão obriga-vos a acreditar que, de entre
aqueles que vivem tão mal, muito poucos se salvam.
Mas, você poderia dizer: Não pode a penitência reparar com
proveito a falta de inocência? Eu admito que é verdade. Mas também sei que a
penitência é tão difícil na prática.
Por onde quer que olhemos, só vemos vestígios de sangue e coisas
que recordam tristes memórias. Muitos enfraquecem só ao vê-lo. Muitos se
retiram mesmo no começo. Muitos caem de cansaço a meio caminho, e muitos
infelizes desistem no fim. E são tão poucos os que perseveram até à morte![38] Diz Santo Ambrósio[39] que é mais fácil
encontrar pessoas que tenham conservado a sua inocência do que achar alguém que
tenha feito a penitência necessária.
Horríveis abusos da Confissão
Se se considerar o Sacramento da Penitência, há tantas Confissões
distorcidas, tantas desculpas estudadas, tantos arrependimentos enganadores,
tantas falsas promessas, tantas resoluções ineficazes, tantas absolvições
inválidas! Consideraríeis válida a Confissão de alguém que se acusa de pecados
de impureza e continua ainda agarrado às ocasiões de os cometer?
Ou a de alguém que se acusa de injustiças óbvias e que não tem a
menor intenção de fazer uma qualquer reparação por elas? Ou a de alguém que
recai de novo nas mesmas iniquidades logo depois de ir à Confissão? Oh, que
horríveis abusos de um tão grande Sacramento!
Um confessa-se para evitar a excomunhão, outro para ter uma
reputação de penitente. Um descarta os seus pecados para acalmar os remorsos,
outro os esconde por vergonha. Um acusa-os imperfeitamente por malícia, outro os
revela por hábito.
Um não tem presente na sua mente o verdadeiro fim do Sacramento,
outro não tem o arrependimento necessário, a outro ainda falta o firme
propósito de não voltar a pecar. Pobres confessores, que esforços fazeis para
levardes o maior número possível de penitentes àquelas resoluções e atos sem os
quais a Confissão é um sacrilégio, a absolvição uma condenação e a penitência
uma ilusão!
Onde estão eles agora, aqueles que acreditam que, de entre os
Cristãos, o número dos que se salvam é maior do que o daqueles que se condenam
e que, para autorizar a sua opinião, raciocinam assim: a maior parte dos
Católicos adultos morre nas suas camas, armados com os Sacramentos da Santa
Igreja, logo, a maior parte dos Católicos adultos se salva? Oh, que grande raciocínio!
Deveis dizer exatamente o contrário. A maior parte dos Católicos adultos
confessa-se mal à hora da morte; portanto, a maior parte deles se condena.
E digo “quanto mais certo,” porque um moribundo que não se
confessou bem quando tinha saúde terá ainda mais dificuldade em o fazer quando
está de cama com um coração pesado, uma cabeça fraca, uma mente embaralhada;
quando tem a oposição, de muitas maneiras, de objetos ainda vivos, de ocasiões
ainda frescas, de hábitos adotados, e acima de tudo de demônios que procuram
todos os meios para o lançar no Inferno.
Ora, se juntardes a todos estes falsos penitentes todos os outros
pecadores que morrem inesperadamente em pecado, por ignorância dos médicos ou
por culpa dos parentes, que morrem por envenenamento ou por ficarem enterrados
em terremotos, ou de uma síncope, ou de uma queda, ou no campo de batalha, numa
briga, apanhados numa armadilha, fulminados pelo relâmpago, queimados ou
afogados[40],
não sois obrigados a concluir que a maior parte dos Cristãos adultos se
condena? É este o raciocínio de S. João Crisóstomo. Este Santo diz que a
maioria dos Cristãos, através da sua vida, caminha pela estrada que vai dar ao
inferno. Porquê, então, ficais tão surpreendidos com o fato de o maior número
ir para o inferno?
Para chegar a uma porta, vós deveis tomar o caminho que ali
conduz. O que tendes a responder a uma razão tão poderosa? A resposta,
dir-me-ão, é que a misericórdia de Deus é grande. Sim, para aqueles que O temem[41], como diz o Profeta; mas
grande é também a Sua Justiça para com aqueles que não O temem, e ela condena
todos os pecadores obstinados.
O Paraíso é só para os Cristãos
O Paraíso é para os Cristãos, evidentemente, mas para aqueles que
não desonraram o seu caráter e que vivem como Cristãos. Além disso, se ao
número de Cristãos adultos que morrem na graça de Deus se acrescentar a hoste
incontável de crianças que morrem depois do batismo e antes de atingirem a
idade da razão, não se ficará surpreendido com o que diz o Apóstolo São João,
ao falar daqueles que se salvam: “Eu vi
uma grande multidão que ninguém poderia contar.”[42]
E é isto o que engana aqueles que pretendem que o número dos que
se salvam, de entre os Católicos, é maior do que o dos condenados … Se a esse
número acrescentardes os adultos que conservaram o manto da inocência, ou que,
depois de o terem manchado, o lavaram em lágrimas de penitência, é certo que grande
número se salva; e tal explica as palavras de S. João: “Eu vi uma grande
multidão,” e estas outras palavras de Nosso Senhor: “Muitos hão de vir do
Oriente e do Ocidente, e festejarão com Abraão, Isaac e Jacob no Reino do Céu,”
e as outras figuras geralmente citadas a favor desta opinião.
Mas se vos referis a Cristãos adultos, a experiência, a razão, a
autoridade, a propriedade e as Escrituras concordam em provar que a maioria é
condenada, Não penseis que, por causa disso, o Paraíso está vazio; pelo
contrário, é um reino muito povoado. E se os condenados são “tão numerosos como
a areia do mar, ” os que se salvam são “tão numerosos como as estrelas do Céu,”
isto é, tanto uns como os outros são incontáveis, embora em proporções muito
diferentes.
Certo dia, S. João Crisóstomo, pregando na catedral de
Constantinopla e considerando estas proporções, não pôde deixar de tremer de
horror e de perguntar: “Deste grande número de pessoas, quantas pensais vós que
se salvarão?” E, sem esperar pela resposta, acrescentou: “Entre tantos milhares
de pessoas, não acharemos uma centena que se salve; e eu tenho dúvidas sobre
essas cem pessoas.”
Que coisa terrível! O grande Santo acreditava que, de tanta gente,
nem uma centena se salvaria, e mesmo assim, não estava seguro desse número. Que
vos acontecerá, a vós que me escutais. Grande Deus, não posso pensar nisso sem
me arrepiar! Meus Irmãos, o problema da salvação é que é uma coisa muito
difícil; pois, de acordo com as máximas dos teólogos, quando um fim exige
grandes esforços, somente poucos o atingem.
É por isso que S. Tomás, o Doutor Angélico, depois de ter
ponderado todas as razões a favor e contra na sua imensa erudição, conclui
finalmente que o maior número de Católicos adultos se condena. E diz: “Porque a
bem-aventurança eterna ultrapassa o estado natural, especialmente porque este
foi privado da graça original, é um pequeno número o dos que se salvam.”
Assim, pois, tirai a venda dos vossos olhos, que vos está a cegar
com o amor de vós próprios, que vos impede de crer numa verdade tão evidente,
dando-vos ideias muito falsas sobre a justiça de Deus, “Justo Pai, o mundo não
Vos conheceu,”[43]
disse Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele não diz: “Pai Todo Poderoso, Pai muito bom
e misericordioso.” Ele diz “Justo Pai,”
para que compreendamos que, de todos os atributos de Deus, nenhum é menos
conhecido que a Sua justiça, porque os
homens recusam-se a acreditar naquilo que têm medo de enfrentar.
Por isso, retirai a venda que vos cobre os olhos e dizei com
lágrimas: Ai de nós! O maior número dos Católicos, o maior número dos que vivem
aqui, talvez mesmo dos que estão nesta assembleia, será condenado!
Haverá um assunto que seja mais merecedor das nossas lágrimas? O
Rei Xerxes, no cimo de uma colina, olhando para o seu exército de cem mil
soldados preparados para a batalha, e considerando que nenhum deles estaria
vivo dali a cem anos, foi incapaz de reter as lágrimas. Não teremos nós mais
razões para chorar, ao pensar que, de tantos Católicos, a maior parte deles se
perderá? Este pensamento não devia fazer com que corressem rios de lágrimas dos
nossos olhos, ou pelo menos produzir no nosso coração o sentimento de compaixão
que sentiu um Irmão Agostinho, o Venerável Marcelo de S. Domingos? Um dia,
quando estava a meditar sobre os sofrimentos eternos, o Senhor mostrou-lhe
quantas almas iam para o inferno naquele momento, e mostrou-lhe uma estrada
muito larga em que vinte e dois mil pecadores estavam a correr para o abismo,
chocando uns com os outros.
O servo de Deus ficou varado de espanto e exclamou: “Oh, que
número! Que número! E ainda vêm mais. Ó Jesus! Ó Jesus! Que loucura!” Deixai-me
repetir, com Jeremias: “Quem dará água à
minha cabeça, e uma fonte de lágrimas aos meus olhos? E chorarei dia e noite
pelos mortos da filha do meu povo.”[44] Pobres almas! Como podeis
correr tão apressadamente para o inferno? Por misericórdia, parai e ouvi-me por
um momento! Ou compreendeis o que significa ser salvo e ser condenado por toda
a eternidade, ou não compreendeis.
Se compreendeis e, apesar disso, não vos decidis a mudar de vida
hoje, fazer uma boa Confissão e desprezar o mundo, numa palavra, fazer todos os
esforços para serdes contado no pequeno número dos que se salvam, digo-vos que
não tendes a Fé. Tereis mais desculpa se não compreendeis, porque então
dir-se-á de vós que haveis perdido o juízo. Ser salvo por toda a eternidade,
ser condenado por toda a eternidade, e não fazer todos os esforços para evitar
um e assegurar o outro, é algo de inconcebível.
A
bondade de Deus
Talvez ainda não acrediteis nas verdades terríveis que acabei de
vos ensinar. Mas foram os teólogos mais considerados, os Padres mais ilustres
que vos falaram através de mim. Então, pois, como podeis resistir a razões
apoiadas por tantos exemplos e palavras das Sagradas Escrituras? Se, apesar
disso, ainda hesitais e se a vossa mente se inclina para a direção oposta, esta
mesma consideração não será suficiente para vos fazer tremer? Oh, demonstra que
não vos preocupais muito com a vossa salvação! Sobre esta matéria tão
importante, um homem de bom senso é mais afetado pela menor dúvida do risco que
corre do que pela evidência da ruína total noutros assuntos em que a alma não
está implicada.
Um dos nossos Irmãos, o Beato Giles[45], costumava dizer que, se
apenas um homem houvesse de ser condenado, ele faria todos os possíveis para se
certificar de que não seria esse homem. Então o que devemos nós fazer, nós que
sabemos que a maioria será condenada, e não só parte da totalidade dos
Católicos? O que devemos fazer? Tomar a resolução de pertencer ao pequeno
número dos que se salvam.
Direis então: Se Cristo queria me condenar, porque é que Ele me
criou? Silêncio, língua atrevida! Deus não criou ninguém para o condenar; mas
quem for condenado, será porque ele mesmo quer.
Todos os condenados têm na fronte o oráculo do Profeta Oseias, “A
tua perdição vem de ti,”[46] para que compreendam que
quem é condenado, é condenado pela sua própria malícia e porque quer ser
condenado.[47]
Em primeiro lugar, tomemos por base estas duas verdades inegáveis:
“Deus quer que todos os homens se salvem,”[48] “Todos precisam da graça
de Deus.”[49]
Ora bem, se vos mostrar que Deus quer salvar todos os homens, e que, para esse
fim, dá a todos eles a Sua graça e todos os outros meios necessários para
alcançar esse fim sublime, sereis obrigados a concordar que quem for condenado
deve imputá-lo à sua própria malícia, e que, se a maior parte dos Cristãos é
condenada, é porque eles querem que assim seja. “A tua perdição vem de ti; a
tua ajuda só reside em Mim.”
Deus deseja que todos os homens se salvem
Numa centena de lugares das Sagradas Escrituras, Deus diz-nos que
o Seu desejo é, de fato, salvar todos os homens. “Será a Minha vontade que um
pecador morra, e não que ele se converta dos seus pecados e viva?[50] … Eu vivo, disse o Senhor
Deus. Não desejo a morte do pecador, Convertei-vos e vivei.” [51]
Quando alguém deseja muito qualquer coisa, costuma dizer-se que
está a morrer de desejo; é uma hipérbole. Mas Deus quis e continua a querer
tanto a nossa salvação que morreu de desejo, e sofreu a morte para nos dar
vida. Esta vontade de salvar todos os homens não é, portanto, uma vontade afetada,
superficial e aparente em Deus; é uma vontade real, efetiva e benéfica, porque
Ele nos fornece todos os meios mais apropriados para que nós nos salvemos.[52]
Não no-los dá para que não a obtenhamos; dá-nos com uma vontade
sincera, com a intenção de nós alcançarmos os seus efeitos. E se não os
alcançamos, Ele mostra-se preocupado e ofendido por essa causa. Ordena até aos
condenados que os usem, para se salvarem; exorta-os a que o façam; obriga-os a
fazê-lo; e se não o fazem, cometem um pecado. Portanto, podiam fazê-lo e dessa
maneira ser salvos.
E muito mais: como Deus vê que não podemos sequer fazer uso da Sua
graça sem a Sua ajuda, dá-nos outras ajudas; e se por vezes não fazem efeito, a
culpa é nossa, porque com estas mesmas ajudas, uma pessoa pode abusar delas e
ser condenada com elas, e outra pode usá-las bem e ser salva; poderia até ser
salva com ajudas menos poderosas.
Sim, pode acontecer que abusemos de uma grande graça e nos
condenemos, enquanto que outros colaboram com uma graça menor e são salvos.
Santo Agostinho exclama: Se, por conseguinte, alguém se desvia da justiça, esse
é levado pela sua livre vontade, guiado pela sua concupiscência, enganado pela
sua própria persuasão.” Mas para quem não compreende a teologia, eis o que lhes
tenho a dizer: Deus é tão bom que, quando Ele vê um homem a correr para a sua
ruína, o Senhor corre atrás dele, chama-o, admoesta-o e acompanha-o até mesmo
às portas do inferno; o que não fará Ele para o converter? Envia-lhe boas
inspirações e santos pensamentos, e se ele não tira proveito deles, mostra a
Sua ira e indignação e persegue-o para o fulminar? Não; falha e perdoa-lhe. Mas
o pecador ainda não se converteu. Deus envia-lhe uma doença mortal. Decerto é o
fim para ele. Não, meus Irmãos, Deus cura-o; o pecador torna-se obstinado no
mal e Deus, na Sua misericórdia, procura outro caminho; o Senhor dá-lhe mais um
ano e, quando esse ano termina, dá-lhe ainda mais outro.
Não acuseis a Deus!
Mas se o pecador continua a querer lançar-se no inferno, apesar de
tudo isso, o que faz Deus? Abandona-o? Não. Pega-lhe na mão e continua a
pregar-lhe, mesmo que ele tenha um pé no inferno e outro fora; implora-lhe que
não abuse das Suas graças. Agora pergunto-vos, se aquele homem for condenado,
não é verdade que é condenado contra a vontade de Deus e porque quer ser
condenado? Vinde agora perguntar-me: Se Deus queria condenar-me, porque é que
me criou? Pecador ingrato, aprende hoje que, se estás condenado, não é Deus que
deve ser censurado, mas és tu e a tua própria vontade.
Para te persuadir desta verdade, desçamos até às profundas do
abismo, e de lá te trarei uma daquelas almas que ardem no inferno, para que ela
possa explicar-te esta verdade. Ora aqui está uma: “Diz-me, quem és tu?” “Eu
sou um pobre idólatra, nascido numa terra desconhecida; Nunca ouvi falar do Céu
nem do Inferno, nem daquilo que estou a sofrer agora.” “Pobre infeliz! Vai-te,
não és aquele que eu procuro.” Vem mais um; aqui está ele. “Quem és tu?” “Eu
sou um cismático dos confins da Tartária. Vivi sempre numa nação
não-civilizada, mal sabendo que existe um Deus.” “Tu não és aquele que eu
quero; volta para o inferno.” Aqui está outra. “E quem és tu?” “Eu sou um pobre
herege do Norte. Nasci abaixo do Polo e nunca vi nem a luz do sol nem a luz da
fé.” “Também não é a ti que eu procuro; volta para o inferno.” Meus Irmãos, parte-me
o coração ao ver, entre os condenados, estes infelizes que nunca conheceram
sequer a Verdadeira Fé.
Mesmo assim, sabei que a sentença de condenação foi pronunciada
contra eles e lhes foi dito: “A vossa condenação provém de vós.” Eles foram
condenados porque o quiseram ser. Eles receberam tantas ajudas de Deus para se
salvarem! Nós não sabemos em que tais ajudas consistiram, mas eles sabem-no
bem, e agora eles clamam: “Ó Senhor, Vós sois justo… e os Vossos julgamentos
são de equidade.” Meus Irmãos, deveis saber que a crença mais antiga é a Lei de Deus, e que todos nós a trazemos no nosso
coração; que ela pode aprender-se sem professor algum, e que basta ter a
luz da razão para conhecer todos os preceitos dessa Lei.[53]
É por isso que mesmo os bárbaros se escondem quando cometem um
pecado, porque tiveram consciência de ter procedido mal; e são condenados por
não terem observado a lei natural que traziam escrita no seu coração; porque,
se eles a tivessem observado, Deus antes teria feito um milagre, de preferência
a deixá-los ser condenados;
Ele ter-lhes-ia enviado alguém que os ensinasse e ter-lhes-ia dado
outras ajudas, das quais eles se tornaram indignos por não viverem em
conformidade com as inspirações da sua consciência, que nunca deixou de os
avisar sobre o bem que eles deviam fazer e sobre o mal que eles deviam evitar.
Assim sendo, foi a sua consciência que os acusou no Tribunal de
Deus, e que lhes diz constantemente no inferno: “A tua perdição vem de ti.” Não
sabem o que hão de responder e são obrigados a confessar que merecem o seu
destino. Ora se estes infiéis não têm desculpa, haverá alguma desculpa para um
Católico que tinha tantos sacramentos, tantos sermões, tantas ajudas ao seu
dispor? Como ousará ele dizer: “Se Deus queria condenar-me, porque é que me
criou?” Como ousará falar desta maneira, quando Deus lhe deu tantas ajudas para
se salvar?
Continuemos a confundi-lo. Vós que sofreis nas profundas,
respondei-me! Há alguns Católicos entre vós? “Claro que há!” Quantos? Venha um
deles cá acima! “É impossível, eles estão muito lá para o fundo, e trazê-los cá
acima iria revirar todo o inferno de pernas para o ar; seria mais fácil impedir
um deles enquanto lá está para cair.”
Sendo assim, dirijo-me a vós que viveis no hábito do pecado
mortal, no ódio, no abismo do vício da impureza, e que a cada dia estais mais
perto do inferno. Parai, e voltai atrás; é Jesus que vos chama e que, com as
Suas chagas, assim como tantas vozes eloquentes, vos grita: “Meu filho, se
estás condenado, só a ti mesmo deves acusar: ‘A tua perdição vem de ti.’
Levanta os olhos e vê todas as graças com que te enriqueci, para garantir a tua
salvação eterna. Podia ter-te feito nascer numa floresta da Barbária; foi o que
fiz a muitos outros; mas fiz-te nascer na Fé Católica; fiz com que fosses
educado por um bom pai e uma mãe excelente, com as instruções e ensinamentos
mais puros. Se és condenado apesar de tudo isso, de quem é a culpa? Tua, Meu
filho, tua: ‘A tua perdição vem de ti.’ “Podia ter-te lançado no inferno depois
do primeiro pecado mortal que cometeste, sem esperar pelo segundo. Fiz isso a
tantos outros, mas contigo fui paciente, esperei por ti durante muitos e longos
anos; ainda hoje estou a esperar por ti em penitência.
Se, apesar de tudo isso, és condenado, de quem é a culpa? Tua, Meu
filho, tua: A tua perdição vem de ti. Sabes quantos morreram perante os teus
olhos e foram condenados: era um aviso para ti. Sabes quantos outros pus no bom
caminho para ter dar um bom exemplo.
Lembras-te do que aquele excelente confessor te disse? Foi Eu quem
o fez dizer-te isso. Ele não te exortou a que mudasses de vida e fizesses uma
boa Confissão? Fui Eu quem o inspirou. Recordas-te daquele sermão que tocou o
teu coração? Fui Eu quem te levou lá. E o que aconteceu entre ti e Mim no segredo
do teu coração, … isso nunca poderás esquecer. “Essas inspirações interiores,
esse conhecimento claro, esse remorso constante da consciência, atrever-te-ás a
negá-los? Todos eles eram mais ajudas da Minha graça, porque Eu queria
salvar-te.
Recusei-Me a dá-los a muitos outros, e dei-os a ti porque te amo
ternamente. Meu filho, Meu filho, se eu tivesse falado com eles com tanta
ternura como hoje te estou a falar, quantas outras almas teriam regressado ao
bom caminho! E tu… e tu voltaste-Me as costas. Ouve o que te vou dizer, porque
estas são as Minhas últimas palavras: custaste-Me o Meu Sangue; se queres ser
condenado, apesar do Sangue que derramei por ti, não ponhas as culpas sobre
Mim; só a ti deves acusar, e por toda a eternidade, não esqueças que, se foste
condenado apesar de Mim, foste condenado porque quiseste ser condenado: ‘A tua
perdição vem de ti.’ Ó meu bom Jesus, até as pedras estalariam se ouvissem
palavras tão doces, expressões tão ternas.
Haverá aqui alguém que queira ser condenado, apesar de tantas
graças e ajudas? Se houver um, ele que me ouça, e depois que resista, se puder.
Barónio[54] relata que, depois da
infame apostasia de Juliano o Apóstata, ele concebeu um ódio tal ao Santo Batismo
que, dia e noite, procurou maneira de apagar o que recebera. Para esse fim,
mandou preparar um banho de sangue de bode e meteu-se nele, querendo que este
sangue impuro de uma vítima consagrada a Vénus apagasse da sua alma o caráter
sagrado do Batismo. Um tal comportamento parece-vos abominável, mas se o plano
de Juliano tivesse tido êxito, é certo que sofreria muito menos no inferno.
Ó pecadores, o conselho que vos quero dar pode parecer-vos
estranho; mas se o compreenderdes bem, é, pelo contrário, inspirado por uma
terna compaixão por vós. Imploro-vos de joelhos, pelo Sangue de Cristo e pelo
Coração de Maria, que mudeis de vida, que regresseis ao caminho que leva ao
Céu, e que façais tudo o que puderdes para pertencer ao pequeno número dos que
se salvam.
Se, pelo contrário, quereis continuar a percorrer o caminho que
leva ao inferno, procurai ao menos maneira de apagar o vosso Batismo. Ai de
vós, se levais o Santo Nome de Jesus Cristo e o caráter sagrado do Cristão
gravado na alma para o inferno! O vosso castigo será ainda maior. Eis, pois, o
que vos aconselho que façais: se não vos quereis converter, ide já, hoje mesmo,
pedir ao vosso pastor que apague o vosso nome do registro batismal, de modo a
que não fique nenhuma lembrança de terdes alguma vez sido Cristãos; implorai ao
vosso Anjo da Guarda que apague do seu livro das graças as inspirações e ajudas
que ele vos deu, por ordem de Deus; porque ai de vós se ele os recordar! Dizei
a Nosso Senhor que vos retire a Sua fé, o Seu Batismo, os Seus sacramentos.
Estais horrorizados com um tal pensamento? Então lançai-vos aos
pés de Jesus Cristo e dizei-lhe, de lágrimas nos olhos e coração contrito:
“Senhor, confesso que não tenho vivido até agora como um Cristão. Não sou digno
de ser contado entre os Vossos eleitos. Reconheço que mereço ser condenado; mas
grande é a Vossa misericórdia, e, cheio de confiança na Vossa graça, digo-Vos
que quero salvar a minha alma, mesmo que tenha que sacrificar a minha fortuna,
a minha honra, até mesmo a minha vida, se assim é preciso para me salvar. Se
até agora tenho sido infiel, arrependo-me e deploro e detesto a minha
infidelidade, e peço-Vos humildemente que me perdoeis.
Perdoai-me, bom Jesus, e fortalecei-me também, para que me possa
salvar. Não Vos peço riquezas, honra ou prosperidade; peço-Vos apenas uma única
coisa, que salve a minha alma.” E Vós, ó Jesus! O que dizeis? Ó Bom Pastor,
vede a ovelha perdida que regressa a Vós, abraçai este pecador arrependido,
abençoai os seus suspiros e as suas lágrimas, ou antes, abençoai estas pessoas
que estão bem encaminhadas e que não querem mais do que a sua salvação. Irmãos,
aos pés de Nosso Senhor, protestemos que queremos salvar as nossas almas, custe
o que custar. Digamos-Lhe todos, de olhos humedecidos: “Bom Jesus, quero salvar
a minha alma.” Ó abençoadas lágrimas, ó abençoados suspiros!
Conclusão
Irmãos, quero hoje despedir-me de vós, deixando-vos confortados. E
se me perguntais os meus sentimentos em relação ao número dos que se salvam,
ei-lo: Sejam muitos ou poucos os que se salvam, digo que quem quiser salvar-se,
será salvo; e que ninguém pode ser condenado se não quiser. E se é verdade que
poucos se salvam é porque há poucos que vivem bem.
Quanto aos restantes, comparai estas duas opiniões: a primeira diz
que a maior parte dos Católicos serão condenados; a segunda, pelo contrário, pretende
que a maior parte dos Católicos serão salvos. Imaginai um Anjo enviado por Deus
para confirmar a primeira opinião, que vem dizer-vos que não só a maior parte
dos Católicos serão condenados, mas também que, dos que estão aqui presentes,
nesta assembleia, só um se salvará. Se obedecerdes aos Mandamentos de Deus, se
detestardes a corrupção deste mundo, se abraçardes a Cruz de Jesus Cristo em
espírito de penitência, sereis o que se salvou. Imaginai agora o mesmo Anjo,
que aparece para confirmar a segunda opinião. Diz-vos que não só a maior parte
dos Católicos serão salvos, mas ainda que, desta congregação, apenas um será
condenado e todo os outros se salvarão. Se depois disso continuardes com as
vossas usuras, as vossas vinganças, os vossos atos criminosos, as vossas
impurezas, então sereis o que será condenado.
Para que serve saber se poucos ou muitos serão salvos? S. Pedro
diz-nos: “Fazei boas obras para assegurardes a vossa escolha.”[55] Quando a irmã de S. Tomás
de Aquino lhe perguntou o que havia de fazer para ir para o Céu. ele disse-lhe:
“Serás salva se o quiseres ser.” Digo-vos o mesmo, e aqui está a prova da minha
declaração. Ninguém será condenado, a menos que cometa um pecado mortal: isto é
da Fé. E ninguém comete um pecado mortal a não ser que queira: esta é uma
proposição teológica inegável.[56]
Portanto, ninguém vai para o inferno a não ser que queira; a
consequência é óbvia. Não chegará isto para vos confortar? Chorai os pecados do
passado, fazei uma boa Confissão, não pequeis mais no futuro, e sereis todos
salvos.
Porque vos haveis de atormentar assim? Porque é certo que tereis
que cometer um pecado mortal para ir para o inferno, e que, para cometerdes um
pecado mortal, tereis que querer cometê-lo; e que, conseqüentemente, ninguém
vai para o inferno a não ser que queira. Isto não é apenas uma opinião, é uma
verdade inegável e muito confortante; que Deus vos faça compreendê-la, e que
Ele vos abençoe. Amém.
Este sermão de S. Leonardo de
Port Maurice foi pregado durante o reinado do Papa Bento XIV (1740-1758), que
tanto estimava o grande missionário.
ORAÇÃO
Ó
Deus todo-poderoso e cheio de bondade, que fizestes de São Leonardo notável
mensageiro do mistério da cruz, concedei, por sua intercessão, que,
reconhecendo na terra as riquezas da cruz de Cristo, mereçamos alcançar nos
céus os frutos da redenção. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na
unidade do Espírito Santo. Amém.
[1]
Catecismo da Igreja Católica nº 1.033 a 1037. Idem nº 1861.
[2] Azevedo
Jr. Padre Paulo Ricardo. A Resposta Católica, Campinas SP, Ecclesiae, 2013, p.
30
[3] Hebreus
13,8
[4] Catecismo
da Igreja Católica nº 1861.
[5]
Mateus 25,41
[6] “Ao
dizer estas últimas palavras abriu de novo as mãos, como nos dois meses
passados. O reflexo [dos raios de luz] pareceu penetrar e abrir a terra e vimos
como que um mar de fogo: mergulhados nesse fogo os demônios e as almas, como se
fossem brasas transparentes e negras, ou bronzeadas, com forma humana, que
flutuavam no incêndio levadas pelas chamas que delas mesmas saíam juntamente
com chamas de fumo, caindo para todos os lados, semelhante ao cair das fagulhas
nos grandes incêndios, sem peso nem equilíbrio, entre gritos e gemidos de dor e
desespero que horrorizavam e faziam estremecer de pavor. (Deve ter sido ao
deparar com esta vista, que dei esse ‘ai!’, que dizem ter-me ouvido). Os
demônios distinguiam-se por formas horríveis e asquerosas de animais espantosos
e desconhecidos, mas transparentes como negros carvões em brasa.” Fonte: http://fatima.arautos.org/o-segredo-de-fatima/
[7]
Lucas 13,24
[8]
Lucas 10,27. Deuteronômio, 6,5. Levítico 19,18.
[9]
Filipenses, 2,12.
[10]
Eusébio de Cesareia – Considerado o pai da história da Igreja. 263 a 339 d.C.
[11]
Tomás Caetano – Viveu de 1469 a 1534, foi um frade dominicano, exegeta,
filósofo, teólogo e cardeal italiano.
[12]
São Roberto Belarmino – Cardeal – Doutor da Igreja, viveu de 1542 a 1621.
[13]
Francisco Suárez (Granada, 5 de janeiro de 1548 — Lisboa, 25 de setembro de
1617) foi um jesuíta, filósofo, jurista e pensador dos séculos XVI e XVII.
[14]
São Teodoro – Mártir – falecido possivelmente em 319.
[15]
São Basílio Magno - Bispo, Confessor e Doutor da Igreja, recebeu o título de
Pai dos monges do Oriente, assim como São Bento é considerado o Patriarca dos
monges do Ocidente. Viveu de 330 a 379.
[16]
Santo Efrén, o Sírio – Bispo. Século IV.
[17]
São João Crisóstomo - Doutor da Igreja. Século IV.
[18]
César Barônio – Sucessor de São Felipe Neri no oratório – 1538 a 1607.
[19]
S. Simão Estilita – Viveu na Síria de 389 a 359.
[20]
Santo Anselmo - Bispo e Doutor da Igreja, nascido em 1033.
[21]
Santo Agostinho – Bispo e Doutor da Igreja, viveu de 354 a 430.
[22]
S. Jerônimo - Presbítero e doutor da Igreja, viveu entre 340 e 420. Foi quem
primeiro traduziu a bíblia para o Latim.
[23]
Diário de Santa Faustina, 41ª edição, Editora apostolado da Divina
Misericórdia, Curitiba, Brasil, 2014.
[24] 13. Entrai pela porta estreita,
porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduzem à perdição e numerosos
são os que por aí entram. 14. Estreita, porém, é a porta e apertado o caminho
da vida e raros são os que o encontram. (Mateus 7, 13-14)
[25]
Gênesis 6. I São Pedro 3, 20
[26]
Números 32 11,12.
[27]
Gênesis 19.
[28] 13. Entrai pela porta estreita,
porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduzem à perdição e numerosos
são os que por aí entram. 14. Estreita, porém, é a porta e apertado o caminho
da vida e raros são os que o encontram. (Mateus 7, 13-14)
[29]
Mateus 22, 14.
[30]
S. Jerônimo - Presbítero e doutor da Igreja, viveu entre 340 e 420. Foi quem
primeiro traduziu a bíblia para o Latim.
[31]
São João Crisóstomo - Doutor da Igreja. Século IV.
[32]
Tomás de Cantimpré - padre dominicano do século XIII.
[33] São Vicente Ferrer nasceu em Valência, na Espanha, em 1350. Era filho de Guilherme Ferrer e
Constância Miguel. De família nobre, Vicente foi o quarto filho do casal. Seu
irmão, Bonifácio Ferrer, foi Superior dos frades Capuchinhos e realizou
importantes missões diplomáticas para o antipapa Bento XIII.
[34]
São Bernardo nasceu em 1090 e faleceu no dia 20 de agosto de 1153, aos 63 anos
de idade. Um dos santos mais importantes de toda a idade média.
[35]
Salviano foi um escritor cristão do século V, e é conhecido também como
Salviano de Massília
[36]
Salmo 52, 4.
[37]
“o mundo todo jaz sob o Maligno.” I João 5, 19.
[38]
“Entretanto, aquele que perseverar até o fim será salvo.” Mateus 24, 13.
[39]
Santo Ambrósio - Bispo e Doutor da Igreja, viveu no século IV.
[40]
Poderíamos aqui acrescentar os acidentes de trânsito, de avião, as mortes por
arma de fogo, bala perdida e todos os perigos deste século que pegam de
improviso um número enorme de pessoas todos os dias.
[41] “Não
vos enganeis: de Deus não se zomba. O que o homem semeia, isso mesmo colherá.”
Gálatas 6,7. “Sua misericórdia se estende, de geração em geração, sobre os
que o temem. Lucas 1,50. É eterna, porém, a misericórdia do Senhor para com
os que o temem. “E sua justiça se estende aos filhos de seus filhos,
sobre os que guardam a sua aliança, e, lembrando, cumprem seus mandamentos.”
Salmo 102, 17-18. uso de misericórdia até a milésima geração com aqueles que
me amam e guardam os meus mandamentos. Êxodo 20, 6. “uso de misericórdia
até a milésima geração com aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos.
Deuteronômio 5,10.
[42]
Apocalipse 7, 9.
[43]
João 17, 25
[44]
Jeremias 8, 23.
[46] "Aparta-te de mim, ide para o abismo de
fogo que jamais se apaga, pois a tua perdição vem de ti" Ideia presente
entre outros em Mateus 25, 41 e seguintes: “Voltar-se-á em seguida para os da
sua esquerda e lhes dirá: - Retirai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo
eterno destinado ao demônio e aos seus anjos....”
[47] “Meu
povo é inclinado a separar-se de mim, convidam-no a subir para o Altíssimo, mas
ninguém procura elevar-se.” Oseias 11, 7.
[48] I
Timóteo, 2, 4. CIC 851
[49]
Efésios, 2, 8. CIC 265, 836 1697. LUMEN GENTIUM 13.
[50]
Ezequiel, 18, 23.
[51]
Ezequiel, 33, 11
[52] CIC: 313.
«Tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus» (Rm 8, 28). O testemunho
dos santos não cessa de confirmar esta verdade: Assim, Santa Catarina de Sena
diz aos «que se escandalizam e se revoltam contra o que lhes acontece»: «Tudo
procede do amor, tudo está ordenado para a salvação do homem, e não com nenhum
outro fim» (155). E S. Tomás Moro, pouco antes do seu martírio, consola a filha
com estas palavras: «Nada pode acontecer-me que Deus não queira. E tudo o que
Ele quer, por muito mau que nos pareça, é, na verdade, muito bom»(156). E
Juliana de Norwich: «Compreendi, pois, pela graça de Deus, que era necessário
ater-me firmemente à fé [...] e crer, com não menos firmeza, que todas as
coisas serão para bem [...]». «Thou shalt see thyself that all manner of thing
shall be well» (157).
[53] Sobre a
lei Natural ler Catecismo da Igreja Católica (CIC) 1954 a 1960. “A lei natural
[...] está escrita e gravada na alma de todos e de cada um dos homens, porque
não é senão a razão humana ordenando fazer o bem e proibindo pecar... Mas este
ditame da razão humana não poderia ter força de lei, se não fosse a voz e a
intérprete duma razão superior, à qual o nosso espírito e a nossa liberdade
devem estar sujeitos” Leão XIII, Enc. Libertas praestantissimum: Leonis XIII
Acta 8. 219
[54]
César Barônio – Sucessor de São Felipe Neri no oratório – 1538 a 1607.
[55]
II Pedro 1, 10.
[56] CIC 1859.
Para que o pecado seja mortal tem de ser cometido com plena consciência e total consentimento. Pressupõe o conhecimento
do carácter pecaminoso do ato, da sua oposição à Lei de Deus. E implica também
um consentimento suficientemente deliberado para ser uma opção pessoal. A
ignorância simulada e o endurecimento do coração não diminuem, antes aumentam,
o carácter voluntário do pecado.